quinta-feira, março 30, 2006

Ode ao Porto

«Que teime
este grisalho burgo
com silhueta de alcantis
e torres onde canta o bronze-bronze
em derramar no mundo a febre
da sua gente, e o vigor
da planta que não larga a terra da raiz!
De independência é o seu perfil severo.
Independência os morros de granito.
Cada pedra ferida, cada gesto
- o povo unido é como pedra!»

(Francisco da Cunha, em "Ode ao Porto")

«O Porto, segundo vejo das locais do Jornal do Porto, passa sem novidade.
Deus o conserve.»

(Júlio Dinis, "Carta a Soares de Passos", 20-12-1870)

Intimidades Portuenses

Enquanto vasculhava os livros arrumados na estante, chamou-me a atenção o título de um deles: "Intimidades Portuenses" de Helder Pacheco. Folheei-o rapidamente e fiquei com curiosidade de o ler com mais atenção. Deixo aqui a sugestão e, entretanto, vou dar uma vista de olhos mais pormenorizada.


«A minha ideia sobre a cidade é leve e prosaica. É comezinha. Não tem argúcia ou subtileza. Não está na moda. É reconhecidamente terra-a-terra, bairrista, provinciana. Quadra mal com rutilâncias e jet-set. Cheira a louro (do lombo assado, no forno, com batatinhas e cebola), a alho-porro (da noite são-joaneira e do tasco das Colunas, na Vitória), a cominhos (do armazém de Belomonte), a pão fresco (da padaria da Senhora da Luz). Ressuma humidades do granito (enegrecido, patinado por séculos e invernias) onde crescem musgos, heras, trepadeiras. Tem reflexos coados nos amanheceres das pontes recortando as névoas ribeirinhas.

A minha ideia sobre a cidade é uma sucessão de lugares no tempo. De lugares com gente. Gente morta - amigos uns, conhecidos outros, apenas de os ver - e gente que permanece (ou sobrevive) connosco na aventura de habitar um espaço em transformação. Quotidianamente. Uma sucessão de lugares com rostos, vozes, frases, gestos, risos, desesperos. Uma sucessão de passagens. De trânsitos - não os de quatro rodas que alguns confundem com progresso mas os das nossas vidas. Uma sucessão de horas, dias, anos. Tragédias e comédias, alegrias e paixões. Desencantos. Solidões. Sombras e luzes. Claros-escuros.

A minha ideia sobre a cidade é corropio de sentimentos desencontrados, contraditórios, sobrepostos. Ora nítidos, ora afastando-se das imagens que a memória retém (ou esquece, até ao momento, até à primeira oportunidade de, inesperadamente, nos assaltarem as lembranças - do que vivemos - dos lugares).

Não quero lógica, quero emoção - ouvi a Billy Wilder, mestre de fitas e da matéria em causa. A minha ideia sobre a cidade é, também (principalmente?), a retida emoção. A emoção que persiste, das histórias ocorridas nos lugares. Da vida da gente dos lugares (e a vida, às vezes, comporta-se como se, ela própria mais do que fita, visse demasiados filmes baratos. Daqueles dos cinemas que havia pelos bairros). Este livro é retrato vulgar e - já o afirmei - sem qualquer lucubração. À la minuta. Da cidade e da gente tripeira. Um retrato das suas intimidades.»

(Helder Pacheco - "Intimidades Portuenses")

quarta-feira, março 29, 2006

Dia de chuva!

Espreito pela janela,
a chuva bate no vidro e ouço a sua melodia.
Umas vezes lenta, outras um pouco mais rápida.
Vai acompanhando as pessoas que passam na rua,
ou serão elas que alteram o seu passo em função da chuva que cai?
O céu está cinzento,
enfadonho!

segunda-feira, março 27, 2006

Poesia Pobre

«Não tem escola, a minha poesia.
Nasce da força
que preenche o vazio
que, às vezes, me angustia.

Pobre poesia
onde nunca minto;
único projectar
de tudo quanto sinto;
que fala das mágoas
do meu dia a dia...

Pobre poesia
que é, em verdade;
poesia pobre;
mas nobre
em sensibilidade.»

Inês Sá - "Refúgio" (1994)

domingo, março 26, 2006

Os Aguadeiros do Porto

«Os velhos e característicos usos da cidade do Porto, tão do agrado dos portuenses de outrora, foram desaparecendo pouco a pouco e ficaram apenas, às pessoas de meia idade para cima, gratas recordações deles.

Com que saudade relembro os aguadeiros, esses honrados e humildes cidadãos de Tuy, Porrinhos, Redondela, Orense e Verin!
(...)
Não se pode negar que os aguadeiros galegos, em tempos idos prestaram óptimos serviços aos habitantes da cidade da Virgem, pois todo o cidadão, rico ou pobre, que quisesse água para o consumo doméstico, tinha de a ir buscar às fontes ou aos chafarizes mais próximos da sua residência.
Para a gente fidalga do burgo tripeirinho era muito mais cómodo - a troco de meia dúzia de vinténs por mês -, ter alguém que lhe levasse a água todos os dias a casa.
(...)

(Arquivo de imagens do SMAS do Porto)

A água era transportada em interessantes canecos, com um metro de comprido aproximadamente, de aduelas de madeira envolvidas em arcos de ferro, e tinham a parte inferior mais larga que a superior. E, para melhor conduzirem, depois de cheios, tão pesados canecos, prendiam ao ombro esquerdo um pedaço de couro, onde os ditos assentavam.
Os aguadeiros do Porto tornaram-se umas figuras emblemáticas, pelo motivo dos trajes que usavam: chapéu largo desabado ou boina, jaqueta ou blusa, calça de bombazina, botas mal feitas e pesadas ou enormes sapatos, quase redondos, suíças, e, em vez destas, uma farta bigodeira enfeitava-lhes o rosto. Estavam matriculados na Câmara Municipal e traziam sobre o peito uma pequena chapa de metal amarelo com o número de matrícula estampado.
(...)
Porém, os melhoramentos citadinos fizeram desaparecer os aguadeiros e os seus canecos, para serem substituídos pela Companhia das Águas, que passou a vender a água que era dos portuenses.»

(Manuel Pedro - "O Tripeiro", Julho de 1948)

Ponte Arrábida

(Ponte Arrábida - 1977)

sábado, março 25, 2006

Isto, é ser tripeiro!

«Sou tripeiro, bem sei. De tal tenho ufania,
vaidade, orgulho até! - Ser audaz e guerreiro,
bater-se com amôr, com fé, com galhardia,
odiar o que é vil, o mal, a tirania...

Isto, é ser tripeiro!


Amar o seu país! Defender a nação!
Ter brio e pondunor! Gritar ao Mundo inteiro
que Portugal é grande. Erguer o seu pendão,
pela Justiça, pela Fé, pela Razão!

Isto, é ser tripeiro!


Trabalhar! Trabalhar, desde o primeiro alvôr!
Ser rude e bom. Simples e justo. Hospitaleiro
e são. Amar a casa onde nasceu, a flôr
que viu brotar, - e não saber mentir o Amôr...

Isto, é ser tripeiro!


Têr um lar, um filhinho, - e p'ra longe a tristesa!
O último a deitar-se. A esguer-se, o primeiro.
Saber amar e rir. Chorar com a pobresa,
e levantar, bem alto, a raça portuguesa...

Isto, é ser tripeiro!»

(Arnaldo Leite Carvalho Barbosa - "O Tripeiro", n.º 7 - Novembro 1946)

Porto, cidade!

«O estudo do passado
não é uma vaidade inútil»
(Alexandre Herculano)


Decidi aprender um pouco mais sobre a minha cidade, o Porto. A partir de hoje, espero partilhar com vocês histórias, eventos, lugares, personalidades, entre outras coisas.


«Isto explica-se. O Porto tem para mim o encanto do ninho pátrio, das recordações indeléveis do alvorecer da vida. Ali nasci, ali me criei (...)»

(Alberto Pimentel, "Homens e Datas", 1875)

quinta-feira, março 23, 2006

Água com humor

Continuando com a temática da água, aproveito a oportunidade para vos dar a conhecer um livro. Existem diversas maneiras de abordar os problemas, sendo que neste livro, o problema da água é apresentado com humor.

«O tratamento do tema mostra aos olhos do mundo a consciência que os cartunistas têm do problema ajudando-nos a pensar sobre esse bem tão (in)comum que é a água e sobre hábitos, carências e insensibilidades humanas de diversa natureza.
Na sua linguagem universal, os desenhadores de humor denunciam, divertem e transformam, cumprindo a sua função de activadores da consciência social e cívica.»

(Luís Humberto Marcos, director do Museu Nacional da Imprensa)


Apresento aqui 3 desses cartoons, de entre os 1666 trabalhos de 504 cartunistas de 60 países:

Grande Prémio - Muhittin Koroglu, Turquia

2º Prémio - Grzegorz Szumowsky, Polónia

3º Prémio - Yuri Ochakovsky, Israel

quarta-feira, março 22, 2006

Dia Mundial da Água

Água que cai,
água que passa,
água que ouço,
água que escassa.

terça-feira, março 21, 2006

Chegou a Primavera

Dia Mundial da Poesia



Não sou poeta, nem sei escrever poesia.
Apenas escrevo palavras!



«Leio-te
Agora sei que era a tua voz que me seguia
pelas esplanadas de cio
sem palavras
A voz do tempo onde
o silêncio se sente como agulhas
picando os lábios
lentas lâminas
cercando as tardes
e a fome
sempre a fome da tua poesia
o corpo subtil da palavra
pele impossível
desta manhã que arranco à alma das paredes
Leio-te
como quem segue o voo de um pássaro
em nuvens que não sabe
Talvez o quase imponderável
seja o grito claro de sílabas
voando inclinadas de encontro às bocas
Ler-te
é pois colocar dedos neste silêncio
ávido de poemas solares
páginas intermináveis
abissais
como o centro da terra
onde funda a sua lava o canto do lume
em sonetos que o vesúvio grita»



João Martim

segunda-feira, março 20, 2006

Cidade Surpreendente

Quando tiverem um tempinho, aproveitem novamente para "passear" pela Cidade Surpreendente que é o Porto.

quinta-feira, março 09, 2006

Ruas do Porto

Enquanto "passeava" pela internet passei por algumas Ruas do Porto. Surpreendente esta "minha" cidade.

quarta-feira, março 08, 2006

Falam por aí
dizem-se coisas
ouço murmúrios
encontro palavras soltas!

A Mulher



Por coincidência ou não, decidi hoje, Dia Internacional da Mulher, dar-vos a conhecer um livro que recebi há uns dias atrás. Trata-se de uma antologia poética coordenada e prefaciada por Natália Correia e com ilustrações de Martins Correia.

«Natália Correia - ela própria escultora de versos admiráveis - faz uma escolha de algumas das mais belas poesias da nossa literatura, desde o século XIII até agora. Claro que essa escolha reflecte o seu gosto e preferências que certamente não coincidiram com as de outros organizadores de antologias. Mas, de qualquer modo é um catálogo admirável da poesia portuguesa que não pode deixar indiferente quem o folheia. E é difícil fazer uma escolha exaustiva neste campo. Aliás, Natália faz uma análise - muito inteligente, sensível e lúcida - do que foi este tipo de poesia que introduz, segundo ela, "uma riquíssima variedade numa arte e numa literatura que rodeiam a mulher como se rodeassem um altíssimo mistério". Diz-nos também e ainda da dificuldade que teve na selecção dos poemas pelo facto de ter de os escolher a partir dos extraordinários e inspirados desenhos de Martins Correia. Inevitavelmente isso condicionaria a sua escolha..."
(Maria de Jesus Barroso Soares)

terça-feira, março 07, 2006

Amigos...

«Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que partilhamos.
Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido.
Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a sua vida. Talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nas cartas que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices... Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto se tornar cada vez mais raro. Vamo-nos perder no tempo....
Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e perguntarão: "Quem são aquelas pessoas?"
Diremos... que eram nossos amigos e...... isso vai doer tanto! -"Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons anos da minha vida!"
A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente......
Quando o nosso grupo estiver incompleto... reunir-nos-emos para um último adeus de um amigo. E, entre lágrimas abraçar-nos-emos.
Então faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante.
Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vida, isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo.....
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades....
Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!»

Fernando Pessoa

quarta-feira, março 01, 2006

Escrever

«Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve»

Vergílio Ferreira